quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Frascopatia

Vou criar uma nova medicina alternativa.

Começo por ter uma iluminação. O frasco é o importante na cura. É algo que eu sei e que é polémico, mas por isso mesmo eu acredito. Não gosto de coisas que são fáceis de provar.

Claro que não pode ser um frasco qualquer, tem de ser de vidro. Da Marinha Grande, já agora. Há qualquer coisa no ar da zona que potencia a memória do frasco.

A minha medicina funciona assim: pega-se numa folha duma planta qualquer, desde que seja natural e sem pesticidas. Junta-se urina de pessoas que tenham a doença que queremos curar. Abana-se bem dentro do frasco, vinte vezes, com sacudidelas fortes. É o processo de sacudidela. Aliás, 23 vezes, para parecer mais científico. Temos de usar luvas de couro para sacudir a mistela. Chamamos a isto, sei lá, sucussão. Pode ser, é giro.

Deitamos fora o preparado e lavamos o frasco o melhor possível. Depois, colocamos água limpa e sacudimos também 23 vezes. Estamos a aplicar o princípio dos "iguais vítrios". O frasco assumiu a doença da urina, mas ao contrário. Esta preparação vai agora curar a pessoa. Porque tudo isto se baseia em sólidos princípios científicos e em profundo conhecimento da química e da física.

Para vender o preparado, cubro comprimidos de açúcar com a água preparada de acordo com os princípios da minha medicina e espero que seque. Fico com açúcar na mesma, mas a memória do açúcar lembra-se de tudo.

Coloco no mesmo frasco (porque o frasco não se esquece) e uso etiquetas com códigos complicados para dar bom aspecto e garantir a segurança dos doentes. Ainda se enganam no frasco e tomam um açúcar com recordações diferentes.

Abro um consultório. Sou muito simpático, falo muito tempo com as pessoas, analiso os problemas pessoais, analiso os campos energéticos, cobro 100 euros por hora e vendo um frasquinho de comprimidos de açúcar por 90 euros, para corrigir a doença. Asseguro o doente que isto é uma medicina alternativa comprovada por estudos científicos que eu próprio realizei e que os médicos convencionais não gostam da minha medicina porque são muito fechados e/ou estão nas mãos das farmacêuticas.

Abro uma empresa farmacêutica para vender estes comprimidos de açúcar. 

Oiço, registo e divulgo os relatos dos doentes que garantem que se sentem muito melhor agora que deixaram os tratamentos convencionais (que têm os malditos efeitos secundários) e passaram a tomar apenas os meus comprimidos frascopáticos. Ignoro os doentes que morrem. Afinal, esses não relatam nada.

Espero uns bons anos e garanto a todos que esta medicina está mais do que comprovada pelo uso e pela tradição e invectivo todos os que põem em causa os princípios (comprovadíssimos!) da sacudidela do frasco e da sacudidela da água e dos iguais vítreos. Todos sabem que o vidro da Marinha Grande tem propriedades magníficas. E, seja como for, o importante são os resultados, não a forma como funciona, desde que paguem as somas necessárias para pagar o trabalho de andar a sacudir estes frascos todos.

Depois começo a exigir que o Parlamento reconheça a minha medicina e abro faculdades para ensinar os princípios da frascopatia. Cada aluno paga 5000 euros por ano.

Entretanto, fico famoso e rico e acabo a acreditar nisto tudo. Afinal, tem de ter um fundo de verdade, certo?


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